segunda-feira, maio 26, 2008

Tenho uma grande constipação,
E toda a gente sabe como as grandes constipações
Alteram todo o sistema do universo,
Zangam-nos com a vida,
E fazem espirrar até à metafísica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar
Dói-me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.
Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.

Excusez un peu... Que grande constipação física!
Preciso de verdade e de aspirina.


Álvaro de Campos (14-3-31)

domingo, maio 25, 2008

conselho do dia: live a love life.
colhendo o dia. aos pedaços. nas manhãs tardias. na cidade. a vida vai renascendo onde e quando menos se espera...

sexta-feira, maio 23, 2008

Lisboa não é a cidade perfeita

Ainda bem
que o tempo passou
e o amor que acabou
não saiu...
Ainda bem
que há um fado qualquer
que diz tudo o que vida
não diz...
Ainda bem
que Lisboa não é
a cidade perfeita
para nós...
Ainda bem
que há um beco qualquer
que dá eco
a quem nunca tem voz...
Ainda agora vi a louca
sozinha a cantar
do alto daquela janela...
Há noites em que a saudade
me deixa a pensar
um dia juntar-me a ela
um dia cantar como ela...
Ainda bem
que eu nunca fui capaz
de encontrar a viela
a seguir...
Ainda bem
que o Tejo é lilás
e os peixes não páram
de rir...
Ainda bem
que o teu corpo não quer
embarcar na tormenta
do meu...
Ainda bem...
Se o destino quiser
esta trágica história
sou eu...

Ainda agora vi a louca...

Pedro da Silva Martins.

este menino é um dos que criaram e cantam como Deolinda. o disco chama-se "Canção ao lado". parece que querem cantar a tristeza a rir. e conseguem. são lindos. o disco também. a Ana Bacalhau dá a voz (e o corpo e a gargalhada...) a esta Deolinda. adorei vê-los ao vivo. e hoje ouvi várias vezes esta canção. (obrigada Cat. - é por estas e por outras...)

quarta-feira, maio 07, 2008

[…]
O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte
Os beijos merecidos da Verdade.

Horizonte, Mensagem, Fernando Pessoa

Ontem uma aluna lia este poema em voz alta numa aula. Eu lia outra coisa e pareceu-me diferente o último verso. Parte do diálogo que se seguiu:

Prof.: A. o que disse no último verso?
Aluna: disse “os beijinhos merecidos da verdade”, professora!
Prof.: beijinhos??? Mas não é isso que lá está!
Aluna: ó professora, ninguém diz beijos…. Nem reparei, mas não tem mal pois não? Toda a gente diz beijinhos!

(esta aula aconteceu ontem, com uma turma do 12º ano;
apeteceu-me partilhar;
eu até digo sempre “beijos” – mas deve ser a minha antiga resistência aos diminutivos que me faz ser “diferente”;
quanto ao “resto”, não faço considerações :)